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Dona Lúcia e os Mistérios do Entardecer.

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No início da tarde, Dona Lúcia era uma senhora tranquila. Gostava de ficar sentada na varanda, observando os passarinhos e tomando café com leite. Conversava pouco, mas sempre tinha um sorriso suave no rosto. Porém, bastava o sol começar a se pôr para que algo mudasse. — Quem são essas pessoas na sala? — perguntava, franzindo a testa. Não havia ninguém. Apenas eu e ela. — Acho que estão querendo levar minhas coisas… — continuava, olhando para o corredor vazio. Eu tentava explicar, mostrar que tudo estava no lugar, mas seus olhos inquietos vagavam pelo ambiente como se buscassem algo invisível para mim. Uma vez, logo após o jantar, ela pegou sua bolsa e começou a caminhar em direção à porta. — Para onde a senhora vai, Dona Lúcia? — Preciso ir pra casa. Está tarde, minha mãe deve estar preocupada. A mãe de Dona Lúcia havia falecido há mais de quarenta anos. Eu respirei fundo. Se dissesse a verdade, ela ficaria assustada ou até zangada. Então, optei por um desvio: — Está muito frio lá for...

Síndrome do Pôr do Sol: Por que Pacientes com Alzheimer Ficam Mais Agitados ao Anoitecer?

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Se você cuida de um familiar com Alzheimer, pode ter percebido que, no final da tarde e início da noite, ele fica mais inquieto, agitado ou confuso. Isso acontece por causa da Síndrome do Pôr do Sol, um fenômeno comum em pessoas com demência. Mas o que causa essa mudança no comportamento? E, mais importante, como lidar com isso? O que é a Síndrome do Pôr do Sol? A Síndrome do Pôr do Sol, também chamada de sundowning, é uma piora dos sintomas da demência no final do dia. Durante esse período, a pessoa pode apresentar: ✅ Maior confusão mental ✅ Ansiedade ou irritação ✅ Comportamento agressivo ✅ Dificuldade para dormir ✅ Agitação e inquietação ✅ Alucinações ou delírios Esses sintomas podem ser angustiantes para o paciente e também para os cuidadores. Por que isso acontece? Ainda não se sabe exatamente por que ocorre a Síndrome do Pôr do Sol, mas alguns fatores podem contribuir: • Alteração do relógio biológico: O Alzheimer afeta a região do cérebro responsável pelo ...

Cuidados Orais para Pacientes com Demência: Guia Prático para Familiares e Cuidadores

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A saúde bucal é um aspecto essencial do bem-estar, mas muitas vezes é negligenciada em pacientes com demência. Com o avanço da doença, essas pessoas podem esquecer de escovar os dentes, ter dificuldade para manusear a escova ou não entender a importância da higiene oral. Isso pode levar a problemas como cáries, infecções, dor e até dificuldade para se alimentar. Neste artigo, vou explicar os principais desafios e como garantir uma higiene oral adequada. Por que os cuidados orais são tão importantes? A falta de higiene bucal pode resultar em diversas complicações, como: Mau hálito; Cáries e perda dentária; Inflamações na gengiva (gengivite e periodontite); Dor e desconforto ao comer; Infecções que podem afetar a saúde geral, aumentando o risco de doenças cardíacas e respiratórias. Pacientes com demência podem não expressar dor de forma clara, o que torna ainda mais importante a prevenção e o acompanhamento regular. Dicas para manter a higiene bucal em pacientes com demência Crie uma rot...

Avaliação Geriátrica Ampla e queixas de memória.

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Avaliação Geriátrica Ampla: O Primeiro Passo para um Envelhecimento Saudável A avaliação geriátrica ampla é uma abordagem detalhada e individualizada para entender a saúde do idoso de maneira integral. Diferente de uma consulta médica convencional, essa avaliação considera não apenas as doenças existentes, mas também a cognição, a funcionalidade, o estado emocional e a qualidade de vida do paciente. Como Funciona a Avaliação Geriátrica? O processo ocorre em duas consultas principais, garantindo uma análise completa e um plano de cuidado personalizado. Primeira consulta (aproximadamente 90 minutos) Na primeira etapa, realizamos uma anamnese detalhada para conhecer a história médica do paciente, suas queixas atuais e, especialmente, quaisquer preocupações em relação à memória. Entre os aspectos avaliados, estão: • Histórico de saúde (doenças pré-existentes, uso de medicamentos, cirurgias anteriores); • Queixas cognitivas (perda de memória, desorientação, dificuldades no dia a dia...

Dona Maria e o Segredo de um Envelhecimento Feliz

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Hoje atendi a Dona Maria, 83 anos. Chegou ao consultório meio desanimada, com aquele olhar de quem carrega preocupações silenciosas. Perguntei como estava e, com um suspiro, disse que sentia umas dores aqui e ali. Fizemos a consulta, examinei, chequei exames, e, no fim, dei a notícia: “Dona Maria, sua saúde está muito boa!” Foi o que bastou. Seus olhos brilharam, levantou as mãos e deu um “Glória a Deus!” tão espontâneo que parecia uma celebração. A partir dali, a conversa tomou outro rumo. Começou a me contar, animada, da sua rotina: “Não falto na capoterapia, no culto de sábado e no baile da terceira idade no domingo à noite.” E sobre o baile, fez questão de detalhar: “Doutora, eu danço até molhar a roupa! Danço sozinha na beira do palco, e a dor que eu sinto até desaparece de tanto que gosto de dançar.” Viúva, vivendo só, mas cheia de vida, Dona Maria saiu do consultório com um sorriso e uma conclusão que carrego comigo: “Eu estou bem assim porque eu não fico triste.” Dona Maria nos...

Quando Chega a Hora de Partir: A Dor da Ausência e a Eternidade das Lembranças

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A morte chega como um sussurro ou como uma tempestade. Às vezes, temos tempo para nos despedir, segurar as mãos, dizer as palavras que faltavam. Outras vezes, ela nos arranca alguém sem aviso, deixando o silêncio como resposta. Mas, independentemente do tempo ou das circunstâncias, a dor da ausência é sempre a mesma—um vazio que se instala, um eco de tudo o que fomos juntos. Quando um ente querido parte, não é apenas a sua presença que nos falta. São as pequenas rotinas que se tornam feridas abertas: o café que ele tomava todas as manhãs, a cadeira vazia à mesa, o som da sua risada que agora vive apenas na memória. A saudade se manifesta nos detalhes, nas coisas que só percebemos quando não estão mais ali. Nos primeiros dias, o luto é como um oceano revolto. Ondas de tristeza nos atingem sem aviso, deixando-nos sem fôlego. Há momentos em que tudo parece insuportável. O mundo continua girando, mas dentro de nós, algo parou. Com o tempo, a dor muda de forma. Não some, mas se transforma. ...

Como a Tecnologia Pode Ajudar no Cuidado com Idosos?

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O envelhecimento traz desafios para os idosos e seus familiares, especialmente no que diz respeito à segurança, saúde e bem-estar. Felizmente, a tecnologia tem avançado significativamente, oferecendo ferramentas que facilitam o cuidado e melhoram a qualidade de vida da população idosa. Desde dispositivos de monitoramento até aplicativos para estimulação cognitiva, a tecnologia pode ser uma grande aliada na promoção da autonomia e segurança dos idosos. 1. Monitoramento da Saúde e Segurança Dispositivos Vestíveis e Sensores Relógios inteligentes e pulseiras com sensores biométricos podem monitorar batimentos cardíacos, oxigenação do sangue e nível de atividade física. Alguns modelos também detectam quedas e enviam alertas automáticos para familiares ou serviços de emergência. ✅ Exemplo: O Apple Watch e o Fitbit oferecem monitoramento de saúde e detecção de quedas. Já dispositivos como o AngelSense possuem rastreamento por GPS, ajudando a localizar idosos com demência que possam se perder...

Privação de Sono e Declínio Cognitivo: Como a Falta de Descanso Acelera os Problemas de Memória

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O sono é um processo essencial para a saúde do cérebro. Durante o descanso noturno, ocorrem processos vitais, como a consolidação da memória, e a regulação do humor. No entanto, a privação crônica de sono pode acelerar o declínio cognitivo e aumentar o risco de demências, como o Alzheimer. 1. O Sono e a Limpeza do Cérebro O cérebro possui um sistema chamado sistema glinfático, responsável por remover proteínas tóxicas, como a beta-amiloide, associada ao Alzheimer. Esse mecanismo funciona principalmente durante o sono profundo. Estudos sugerem que quando não dormimos o suficiente, o acúmulo dessas toxinas pode levar à degeneração dos neurônios. 2. Déficit de Sono e Memória O sono desempenha um papel crucial na consolidação da memória. Durante a fase REM e o sono profundo, as informações do dia são processadas e armazenadas no hipocampo. A privação de sono prejudica essa função, levando a lapsos de memória, dificuldade de concentração e aprendizado comprometido. 3. Impacto no Fluxo Sangu...

Como preparar a família para diagnóstico de demência.

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Receber um diagnóstico de demência na família é um momento delicado e cheio de incertezas. A notícia pode gerar medo, tristeza e muitas dúvidas sobre o futuro. No entanto, preparar-se adequadamente ajuda a transformar essa jornada em um processo mais acolhedor e estruturado. 1️⃣ Compreendendo o Diagnóstico 🔹 O que significa ter demência? A demência não é uma doença única, mas um conjunto de sintomas que afetam a memória, a linguagem, o raciocínio e outras funções cognitivas. O Alzheimer é a causa mais comum, mas existem outros tipos, como a demência vascular e a demência com corpos de Lewy. 🔹 Aceitação progressiva Cada membro da família pode reagir de maneira diferente ao diagnóstico. Algumas pessoas entram em negação, outras sentem culpa ou frustração. É importante respeitar o tempo de cada um para processar a notícia. 🔹 Procurar informações confiáveis Evite buscar respostas apenas na internet ou em redes sociais sem embasamento. Converse com médicos especializados e participe de g...

Sinais de Alzheimer: o que observar.

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O Alzheimer se desenvolve de forma lenta e progressiva, e os sinais iniciais podem ser confundidos com esquecimentos “normais da idade”. No entanto, quanto mais cedo for identificado, melhor será o planejamento do cuidado. Fique atento a 10 sinais iniciais mais comuns da Doença de Alzheimer. 1. Esquecimentos frequentes 🔹 Esquecer informações recém-aprendidas com frequência. 🔹 Repetir perguntas várias vezes. 🚨 Esquecimentos ocasionais são normais, mas a frequência é um sinal de alerta. 2. Dificuldade em resolver problemas 🔹 Esquecer como pagar contas ou seguir receitas que sempre fez. 3. Desorientação no tempo e no espaço 🔹 Perder-se em locais familiares. 🔹 Não lembrar do dia da semana ou da estação do ano. 4. Problemas de linguagem 🔹 Dificuldade para encontrar palavras ou manter uma conversa. 🔹 Parar no meio de uma frase sem saber continuar. 5. Guardar objetos em locais inusitados 🔹 Colocar o celular na geladeira ou as chaves dentro do armário de roupas. 6. Dificuldade para to...

Um Novo Ano, Um Novo Capítulo de Amor.

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O ano que passou trouxe desafios únicos, marcas profundas e aprendizados que nem sempre foram fáceis de carregar. Quem convive com um ente querido vivendo com demência sabe que cada dia é uma página escrita com lágrimas, sorrisos e, sobretudo, amor. Mas agora, diante de um novo ano, temos a chance de olhar para a vida com um coração renovado. Ainda que as dificuldades persistam, o amor que une uma família é capaz de transformar os momentos mais simples em memórias preciosas. Ao olhar para o futuro, convido você a fazer uma pausa. Respire fundo. Lembre-se de que a jornada que você enfrenta não é feita apenas de perdas. Há descobertas escondidas nos cantos mais improváveis. Talvez seja o brilho de um olhar que ainda reconhece o amor. Ou o som da risada que ainda ecoa em dias bons. Permita-se sentir gratidão, mesmo em meio às tempestades. Gratidão pela força que você encontrou em si mesmo, mesmo nos dias em que achava que não conseguiria. Gratidão pelos pequenos instantes de conex...

A CAIXA DO MEU PAI.

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Falar do meu pai é como abrir uma caixa trancada há muitos anos. Não qualquer caixa, mas uma daquelas guardadas com cuidado, escondida dentro de outras, em um canto que só se acessa quando a saudade ou a coragem tomam conta. Dentro dela, há um mosaico de lembranças que dançam entre o riso e o silêncio, entre a presença e a ausência. Vejo meu pai com seu sorriso escancarado e tímido, contando as piadas sem graça que só ele ria, até nos fazer rir também. Lembro dos causos que ele vivia a narrar, com minha mãe ao lado confirmando cada detalhe. Naqueles momentos, ele era gigante — um pilar de força e inteligência. Engenheiro, professor, fluente em francês. Um homem que parecia saber tudo, mas que, como descobri depois, não estava imune às ironias da vida. Quando a doença chegou, a força começou a dar lugar à fragilidade. O “Mal de Parkinson” — um nome que já não se usa, como se a suavização da linguagem pudesse aliviar o peso do diagnóstico. Ele era um dos 20% que evoluem para a demência, ...

O dia que Seu Antônio parou de dirigir

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 Seu Antônio tratava o Alzheimer comigo há 5 anos. Sempre muito educado, personalidade forte, deu trabalho em aceitar os medicamentos prescritos para a doença. Aos poucos fui ganhando sua confiança, aceitou o tratamento e a recusa fazia parte de um passado distante. A insistência da esposa em mantê-lo dirigindo sempre foi uma preocupação. Muitas vezes a família nega o diagnóstico. Mas a estabilidade das perdas fazia com que eu fosse um álibi dessa situação. Mas a doença não perdoa, avança sem pedir licença. Hoje, a esposa que passou em consulta antes dele, nem mostrou seus exames e começou: -- Doutora, a senhora precisa conversar com Antônio, está dirigindo muito mal, tivemos que vir de Uber, ele esta muito bravo comigo. A memória dele piorou bastante também. As drogas utilizadas para o tratamento do Alzheimer são os inibidores da colinesterase. Mas o que isso significa? A doença de Alzheimer é causada pela perda de neurônios colinérgicos no hipocampo e no córtex frontal (regiões c...

A dor e a saudade que moram no Natal.

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 O Natal é chamado popularmente de Noite Feliz, por causa das comemorações religiosas da data, entretanto o dia pode não ser feliz para todas as pessoas. A tristeza que aperta o coração quando o Natal se aproxima tem até nome em inglês: Holiday Blues. Alguns fatores impactam mais esse sentimento e algumas orientações abaixo podem ajudar. Pensar no passado é um dos principais fatores que causam tristeza nessa época do ano. Recordar a infância, lembrar dos pais ou avós, sentir saudade do que já foi vivido ou então não gostar das memórias que voltam com a proximidade do Natal. Cada pessoa viveu uma experiência que precisa ser respeitada e reconhecida. Idealizar o Natal também pode trazer angústia e melancolia. Pode ser que o seu ano não tenha sido tão bom, você pode ter passado por dificuldades e não ter conseguido realizar os seus planos e objetivos, aí o Natal acaba trazendo o medo, a culpa, o sentimento de impotência. Pare para refletir e converse com pessoas próximas para compreen...

Dra, até quando meu familiar pode dirigir?

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 Quando parar de dirigir no quadro de Alzheimer: tudo o que você precisa saber. “Até quando é seguro que meu familiar com Alzheimer continue dirigindo?” Essa é uma questão importante, já que dirigir envolve atenção, memória, reflexos rápidos e julgamento — funções que são progressivamente afetadas pela doença.  Por que o Alzheimer afeta a capacidade de dirigir? Conduzir um veículo exige habilidades cognitivas específicas, como: • Memória: para lembrar rotas, sinais de trânsito e as regras da estrada. • Atenção: para perceber pedestres, outros carros e mudanças no ambiente. • Coordenação motora: para controlar o volante, os pedais e mudar de marcha. • Tomada de decisão: para agir rapidamente diante de imprevistos, como um carro freando bruscamente. O Alzheimer afeta essas habilidades de forma gradual e progressiva. No início, o paciente pode continuar dirigindo em rotas conhecidas, mas, com o tempo, até trajetos familiares se tornam confusos e situações inespera...